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O Chamamento da Fêmea


A fêmea aproximou-se. A mesa era pequena demais. Na sua cabeça, pouco exercitada, não fazia sentido livrar-se de todo aquele apelo. Era como que um chamamento. Ela chamava por ti. Não viste os seus olhos? E a sua boca, sedosa, decorada, encarnada, molhadinha. Só para ti, para o que viria. Ou talvez não. Ela preparou-se para aquilo que ela queria. O que viria para além disso?

E o macho? Macho-macho? Grande, protector, seguro. Amável. Amante. Sobretudo amante, o resto... Aquele resto não interessara para aquela mesa pequena.
Pequena. De todos os engendramentos que ela conhecia, nenhum fazia sentido naquela pequena mesa. Tudo isso lhe passou pela mente. Mediu-te todo. Bem. Talvez não, mas olhou-te bem.
Quem serias tu? De onde virias?
Tudo ali podias. Era a tua fêmea, para o que quisesses. Não.!Era a tua fêmea para aquilo que ela quisesse. Ela queria muito. Pedia-to com tudo o que tinha. Aquelas palpitações não a deixavam pensar em mais nada, nada de outro a sossegaria. Apenas o teu aconchego, O aconchego prometido, em teus olhos de veludo.
Tu querias o mesmo, ela sabia-o. Ainda andavas perdido, quererei, não quererei? E já ela tudo sabia. Já estavas caçado. Desejo. Muito. De tudo, até ao fim.

Leste os chamamentos da fêmea. Já a conhecias. Os olhos brilhantes. O sorriso malandro. As mãos frenéticas que não te largavam.
Eu sei o que te passou pela cabeça. Lembraste-te de todas as outras vezes. De todos os outros momentos em que a viste passar por ti. Decote, brincos, pernas. Abraço, sorriso, suavidade. Conseguir chegar até ela. Querias sentir pele. Querias sentir calor. Envolvido. Mexer. Mexer. Movimentos, apertos. Carinha dela. Corpinho dela, indefeso, na confiança em ti, na espera de ti.
Ela lembrou-se de ir medir o estado do teu interesse. Apesar de já teres explicado miles vezes que, por muito óbvio que parecesse, o teu interesse não poderia ser medido fisicamente. Mas o estado era-o.
E era mútuo. Era efectivamente mútuo. Os teus olhos. Quem somos nós sem a expressividade dos olhos? Sempre lhe agradeceste ver-te e conhecer-te assim, pelos olhos, sem o atropelo das palavras.

Foste assim despido, sem te aperceberes. O olhar bastou para colocar tudo a nu, sem dúvidas, sem arrependimentos. Para além do toque macio e contínuo de tudo o que estava a tua frente imploraste por mais.

E nada mais aconteceu.
Para além daquilo que a tua fêmea imaginou, nada mais aconteceu.
Talvez tenha acontecido tudo e não te tenhas apercebido.
Mordias o lábio, ela arqueava. Imploravam. Imploravam ao céu, aos anjos, aos azulejos. Imploravam à mesa que foi pequena. Ao casaco que protegia das lajes de Inverno frias. O sossego da serra, fora daquela linda casinha, ofereceu-vos a coragem de irem para além.
Quando duvidaram se haveria mais, ou se haveria melhor, antes de morrerem perante vós e perante todas as sobras inúteis que foram sendo despidas, confiaram que haveria mais.
E houve.
E houve.
E houve, o arquear, o gemer, o sussurrar da fêmea. O toque do mundo que querias. O prazer que ela procurava. Ali. Não na mesa pequena.

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