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Os elogios

Há praticamente 2 anos, eu escrevia aqui que não lidava bem com elogios, escrevia que não queria que sentissem que eu era digna de elogios.



O que eu também sentia e não escrevia era que os outros também não eram dignos dos meus elogios.



Durante muito tempo, praticamente desde que me lembro de pensar com coerência, que elogiava tudo o que eu via que deveria ser elogiado. Elogiava os esforços, elogiava os méritos inerentes, elogiava as capacidades, elogiava o que não merecia elogios mas precisava de uma forcinha. Eu era uma elogiante dedicada.



"Huuum, a comida está boa!"

"Estás tão gira hoje!"

"Acho que tomaste uma boa decisão, mas isso costumas fazê-lo bem!"

"Fico grata pela ajuda, eu não faria tão bem!"


Mas depois veio a tempestade.

Fui puxada a ferros para a idade adulta, retiraram-me do ninho e colocaram-me no meio dos melhores (ou daqueles que assim se julgam, os chamados reizinhos). E então.


E então, para elogiar estes é preciso estar-se acima deles. Os elogios nestes são uma prova de que o superior concorda e motiva. São uma prova de que ficou admirado com a capacidade deles. não se deve elogiar uma rotina. Nem uma coisa que obviamente é obvia e perfeitamente feita. Isso é, então, duvidar deles

Para estes, os irmãos/ pares não elogiam, apenas os pais/ superiores.

E então, só devo elogiar o bom banquete que me prepararam quando eu não soubesse que eram capazes. Ou seja, quanto mais eu gostava daquilo que me era apresentado pelos meus pares, quanto mais maravilhada eu ficava, menos eu devia elogiar, porque elogiar seria contar-lhes sem palavras que eu nao esperava que eles fizessem aquilo tão bem feito.


O drama é que se eu aprendi isto com os meus novos pares (sendo eles muito mais de tudo do que eu), eles já o sabiam de antemão, pelo que eu nunca estava sendo elogiada. Aqui vale-nos a todos a confiança: ou porque não fazemos nada merecedor ou porque somos vistos como tão bons eles, pelo que não têm o direito de nos elogiarem. Há sempre a hipótese da dor de cotovelo, mas prefiro não pensar nisso.


Até que sinto a mudança de paradigma.


Um dos meus pares, que tanto admiro, trata-me claramente como igual. Sem precisar de mim, dedica-se. Sem me ver ou me conhecer ou qualquer disso, confia.

E ali, à minha frente, sem ser eu, está um eu. Um eu do antigamente. O eu antes de levar com todo este entulho destes últimos anos.

Pede-me com sinceridade que diga, no geral, a minha apreciação.

Meu Deus. E ali, de repente, acordo.


O Homem sonha acordado

E sonhando a vida percorre

E desse sonho dourado

Só acorda quando morre


António Aleixo.


Pronto. Hoje eu sou eu. Eu anda contente. Eu acordou e vê que os pares são pares. Como eu. O que eles conseguem, também eu consigo. Com todo o esforço que eu precisar de investir, porque agora sinto que vale a pena.


E aqui vi que há mais como eu. Que sentem os elogios como sendo um incentivo de bom e de mau.


Eu estou aqui. Com os sonhos que nutria há 3 anos. Com a vontade que a minha infância e adolescência mostraram. Porque confiaram mais em mim do que eu mostrei. Fiz o mesmo. Sentiu-se?

Comentários

  1. Interessante. Acho que mudaste um pouco a tua escrita (reflexo da mudança de mentalidade?). É diferente dos outros.
    Costumas ser muito mais metafórica e utilizar muito mais subterfúgios para esconder as coisas. Desta vez falaste de tudo, deste nomes às coisas e mantiveste a simplicidade e o secretismo (ou anonimato necessário, como lhe queiras chamar).
    Quando li, cheirou mais realidade, a sinceridade, sente-se algo de mais palpável nas palavras?

    E tranpor isso para acções? Hm?

    ResponderEliminar
  2. Acho piada aqui o anónimo de cima.
    tanta coisa para dizer "porque escreves o que não fazes?"

    E transpor isso para as acções? Hm?

    ResponderEliminar
  3. nao sou assim tanto mulher de palavras e nenhuma accao! quem me conheceu antes 'disto' ja reconhece os brilhos multiplos dos meus olhos e sente que me estou a mexer para os meus sonhos/ projectos.
    porque tudo o que eu sonhei com o coracao tive e cumpriu-se.
    estou aqui, nao estou?

    ResponderEliminar

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