Há uns anos, quando fui a Taizé uma semana antes dos demais colegas para meditar num retiro de silêncio, tocou-me muito o estudo de uma parte muito linear e fácil de compreender do Evangelho de São João. Falo de Jo 11. Numa passagem em que, de um modo geral, a figura de Jesus nos é apresentada numa dimensão completamente humana.
Neste episódio, o amigo de Jesus (a pessoa com quem ele gostava de dispensar o seu tempo e que ele prezava, o seu amigo pessoal), Lázaro, estava muitíssimo doente. De alguma forma esta notícia chega aos discipulos, que então contam a Jesus. E este não toma grande acção, continuando a "pregar". Esta decisão, dada a sua proximidade sincera, indignou um pouco a todos.
Quando, finalmente, Jesus chega lá onde Lázaro estava, este já tinha morrido; e Marta, a sua irmã, diz a Jesus que, por isso, não vale a pena ele se aproximar do túmulo, onde estava Lázaro sepultado e recoberto de ligaduras (no que considero uma espécie de embalsamento).
E aqui, o que eu desconhecia até então por completo, Jesus chora. Jesus chora porque o seu amigo Lázaro morreu e porque a sua amiga Marta não confia nele.
Nesse momento, Jesus pede a Deus que lhe conceda essa benesse, e Lázaro emerge do túmulo, ainda todo ligado. Lázaro havia ressuscitado ao fim de 4 dias, porque o seu verdadeiro amigo Jesus o amava e não sabia senão devolvê-lo à vida.
A frase linda deste episódio é o pedido que Jesus faz à multidão que ali estava e que julgava que Jesus, o milagreiro, não havia aparecido a tempo para salvar Lázaro: "Libertai-o e deixai-o seguir livre".
Tem tanto mais de inesperado como de encantador. Tanto de bonito que de aterrorrizador.
Às vezes, sou restringida nos meus deambulares, na minha liberdade de acção. E até se tenta controlar o que sinto ou o que penso de forma natural relativamente a algumas situações concretas. E nesses momentos, a maior parte das vezes, sou a banana, que se verga e se autoriza a seguir, como que com as ligaduras restritivas do Lázaro, pelo caminho que está já melhor planeado.
Mas, hoje, vejo isto. E vejo que há certeza que o são apenas de forma aparente. Que o que é vida é móvel, é versátil e que tudo pode mudar. Incluindo eu. Sobretudo eu.
Libertai-me e deixai-me seguir livre. Tanto mais, quanto mais gostarem de vós próprios. Tanto mais quanto mais medo tiverem da minha ausência. Porque as escolhas que faço em plena liberdade são as que se afiguram como mais sinceras. E como mais genuinas. E, muitas das vezes, por serem inesperadas, tornam-se eloquentemente encantadoras. Eu sou um conto de encantar. Uma princesa que se passeia com peluches. Uma rainha com um trono imaginário e com lugar para todos os amigos.
Libertai-me, e deixai-me seguir livre.
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