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Não tenho como te agradecer!

Os meus dias sucedem-se.
Muito cheios, tão cheios que às vezes nem tenho tempo para me sentar a olhar o céu ou as pessoas que passam. Muitas vezes, os dias são cheios de horas de sono, porque à noite ando feita borboleta.

No meu coração reina o desassossego. Tenho que agradecer. Tenho que. Tenho que, e não sei como.
Tenho que e não tenho como. De acordo com o meu entendimento, há sinais positivos que nos movem forçosamente de regresso à nossa vida, ao nosso rumo.

Eu já não me lembrava dos meus sonhos verdadeiros havia já alguns anos, já não me lembrava daquilo que havia no meu âmago e que me enviava para a frente.

Agradeço aos céus. E à terra. Agradeço a Deus e aos homens tudo o que se conjugou para que eu pudesse ter a meu lado alguém que vive com a sua vida toda a coragem e todo o desprendimento imagináveis. Alguém que compreende que a nossa vida somos Nós, e que o Nós é efémero e que o Nós se move e se muda, mas continua o mesmo. Alguém que é ousado em tudo o que pensa. Alguém que, sendo tão grande e tão forte, em vez de me fazer sentir pequenina ou incapaz me faz sentir que, na minha vida, tudo é possível.

Sem palavras, sem que eu saiba nada deste alguém, sem que se saiba nada de mim, diz-me, com a sua vida, muitas vezes, "Eu sou capaz, eu sou feliz a tentar ser melhor e a superar-me". E este dizer com os seus actos é uma fonte colossal de bem-estar para mim. Uma fonte de ver, com os olhos, que é possível.

É a esperança. É a ousadia dos sonhos. A ousadia de acreditar que é possível.
Faz-me ver que, por muito difícil que seja a habituação à mudança, não há pior do que permanecer onde nada nos chama. Isso, em nome da estabilidade, é aceitar já "que a morte nos separe" de nós mesmos, pousados nas mãos repletas de vazio. Com o que sinto, prefiro morrer na novidade cheia de graça do que perpetuar-me neste afogamento.

Estar perante tal edificação faz com que eu me empenhe. Mas não é empenhar-me num qualquer projecto ou num qualquer acaso do momento. Falo do empenho do coração. Estar com tal construção faz-me empenhar-me em mim. Faz-me ver que há quem tenha um fundo igual ao meu e que tenha uma vida muito melhor (pelo menos ao que me parece) (mesmo que não a tenha muito melhor, consegue fazer com que os outros se sintam tão melhores!).

Neste ponto de viragem da minha vida (viragem porque absolutamente não a quero mais como a tinha), apelei (chamar-se-á a isto orar?) do profundo do coração a que fossem atraídas a mim pessoas graciosas, que fossem mais-valias para a construção dos meus raciocínios.

Naquele belo retiro organizado pela Companhia de Jesus de Lisboa, em serviço com os estudantes universitários (CUPAV), telefonei a duas pessoas. Completamente distintas. Uma com a vida construída e outra ainda com uma vida cujo aspecto se assemelha a escadas deliciosas para serem por si escaladas.
Duas pessoas que, não sendo santas e tendo cada qual os seus traços de egoísmo bem visíveis, têm o dom (que outra palavra usar?) de sonharem coisas e empreenderem-se nelas, sempre na confiança que é mais do que possível alcançá-las e desfrutar delas.
São pessoas de "trato fácil" — é fácil estar-se com elas. São fáceis de serem compreendidas e por isso é fácil corresponder ao que esperam (ajustar-se a elas).
São habilidosas nas suas relações humanas.
São os reis do mundo. Porque ao seu lado as pessoas sentem-se bem; porque sonham e concretizam mais do que os acanhados; e porque, como se empenham de verdade naquilo que querem de verdade, sentem-se realizadas com frequência.
São elas próprias que se decidem e que se dedicam.

"Adopta a tua causa sagrada – a auto-realização.
Para quê fazê-lo?
Porque já não te interessa a aceitação ou a aprovação do mundo. Já não estás satisfeito com o que ele te trouxe. Já não te agrada o que ele trouxe aos outros. Queres acabar com a dor, com o sofrimento, com a ilusão. Já estás farto deste mundo da maneira que ele se encontra. Procuras um mundo novo.
Não o procures mais. Vá, fá-lo acontecer."

in Conversas com Deus, vol. 1
Neale Donald Walsch

"- Quem lhe ensinou tudo isto, Doutor?
A resposta veio pronta:
- O sofrimento."

in A Peste
Albert Camus


Se tudo o que são é, hoje, fruto de qualquer sofrimento que tenha havido com elas ou ao seu redor, considero que talvez tenha valido a pena. Tornou-se magnificência. Tornou-se adubo do meu jardim e, calculo eu, de tantos outros mais.
E neste ponto em que quero virar o rumo da minha vida, estas pessoas são uns modelos. Chamo-lhes modelos porque temos um fundo de parecença em comum e há nelas a adição de muito daquilo que ambiciono para mim.

Meus amigos, tenho à minha frente, sem que eles suspeitem ou sem que sintam isso, modelos do que aspirei a ser, enquanto os sonhos foram a minha pauta.
Regresso, então, depois de um passeio demorado por outras vertentes e outras realidades da vida, a casa. Regresso à casa das aspirações. Ouso sonhar. Mas mais do que isso, sinto que é altamente possível concretizar as minhas coisas.

Estas são pessoas normais. São pessoas que se chateiam comigo. São pessoas que se cansam de mim. São pessoas que têm tristezas e que têm alegrias. E são pessoas que não sonham o valor que têm para mim.

"- Então, o que achaste?
- Eu?
- Sim, para eu saber!
- Não, não. Eu recuso-me elogiar-te, ainda ficavas com o ego inflamado. Já deves ter muitas pessoas para te elogiarem!
- Eu? Não tenho nada pessoas que me elogiem!"

in Diálogo à porta do elevador.

Tais pessoas fazem-se rodear de outros demais que se sentem bem na sua companhia. Duvido que estejam sozinhas, embora possam assim sentir-se às vezes, uma vez que depositam extrema quantidade delas no que fazem e depois podem não receber aparentemente tanto. Calculo que estejam sempre rodeadas. Agradavelmente rodeadas.

No entanto, como sociedade, não temos muito à-vontade para agradecer exemplos. Nem os exemplos se sentem agradados ou inspirados com a pretensão de um agradecimento. Sentem-se mais frequentemente incomodados ou mal-entendidos.
Sabemos, então, agradecer o trabalho, geralmente remunerando com o dinheiro. Sabemos agradecê-las interiormente, com um olhar benevolente e ternurento. Sabemos agradecer o que nos fazem de mais óbvio, muitas vezes com retribuiçõezinhas materiais.

E... E, como é que se agradece a presença? A companhia?



Como é que eu, agora, neste ponto em que estou, agradeço o que representam e são para mim? Escrevo sem fim? Enquanto sentir que ainda não descrevi bem o que sinto? Enquanto sentir que não se inteiraram completamente da realidade?

No meu entender.
Seguir estes seus passos (que sinto tão próximos dos passos que inatamente alinharia) poderia ser o maior agradecimento. Fazer-me, concretizar-me, pôr-me a caminho. Os melhores professores não são aqueles que geram melhores alunos? O futuro de cada aluno cuja vida se muda é, por si só, recompensa suficiente para o professor? Só isso basta?
Está certo que quem "ama e o diz sempre com a vida" não espera agradecimento, mas reconhecer é tão importante!

"As pessoas pensam que uma alma gémea é o par perfeito e é isso que toda a gente quer. Mas uma verdadeira alma gémea é um espelho, uma pessoa que te mostra tudo aquilo que te retém, a pessoa que faz com que te centres em ti mesma para que possas mudar a tua vida. Uma verdadeira alma gémea é provavelmente a pessoa mais importante que alguma vez conhecerás porque deita abaixo as tuas defesas e desperta a tua consciência. Mas viver com uma alma gémea para sempre? Não. É demasiado doloroso. As almas gémeas entram na nossa vida para nos revelarem uma outra camada de nós mesmos e depois vão-se embora."

in Comer, Orar e Amar
Elizabeth Gilbert

Vão? Vão embora?
Parece que sim. Do sítio onde estou, parece que se vão efectivamente embora. A nenhuma delas faz o menor sentido eu agarrar ou explicar que, porventura, a sua companhia ou a sua presença possam ser importantes. Restam-me as memórias. Restam-me os amplos exemplos.

Se me fosse dado a escolher o modo de agradecimento com o qual as preferiria presentear, desde que eu sou eu, escolheria oferecer o conhecimento ao outro de que estou conscientemente aqui, na retaguarda. Eu escolho estar aqui, presente, com a minha profundidade interior, pronta a compreender, pronta a empreender, ajudar no concreto, abraçar ideias, acarinhar estados de espírito. Se me fosse dado a escolher o modo de agradecimento, eu escolheria fazer sentir amizade real, que se dá sem esperar, que se proporciona sem condições e sem intuitos. Eu escolheria, se pudesse escolher, estar presente para aplaudir e para consolar, para escavar e para escalar, eu escolheria claramente ser presente.
Mas acima de tudo, se fosse possível, eu escolheria ter oportunidade de ser sempre (e cada vez mais) Eu, que é, no fundo, aquilo que me pediram e me incitaram a ser.


Ser Eu, atrás de si, escondida, observadora. E outras vezes à frente, relembrando as memórias, relembrando peculiaridades. Ser um reflexo diferido da grandiosidade que captei.

Ter sido afilhada, ao lado de uma figura maior. Ter adoptado um padrinho sem ter pedido autorização, sem ter querido consentimento.
Ter-me aproveitado da disponibilidade e de tudo o mais que era real aos meus olhos. Escolher, num momento, um modelo, um exemplo, para me ajudar, a mim, naquela minha dificuldade e dúvida. Ter tido ajuda naquilo que precisei.

Quero aprender a ser, mais e melhor do que sou hoje.
Quero contribuir para um outro mundo onde haja mais e melhor.
Quero amar os meus modelos, na esperança de um dia poder vir a ser um qualquer outro modelo, de uma outra qualquer pessoa. Quero que existam mais modelos.
E àqueles que existem à minha frente, quero agradecer. Quero agradecer e não tenho como!

Com todas as mudanças, reflexo da coragem e dos sonhos, que sei de ti e ambiciono para a minha estrada, não ouso deixar aqui moradas definitivas. Ou números de telefone. Ou qualquer outra coisa ligada a mim. Assino, eu, medíocre, __leaving_to_live__, com a promessa de me manter fiel a mim e, por isso, ser reconhecível e encontrável, em qualquer troço do meu caminho.

Com todo o respeito,
__leaving_to_live__

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