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Oração - Parte 5

Há uma passagem bíblica que me toca particularmente.

Lázaro o amigo e companheiro de Jesus, com quem ele passava muito tempo, estava muito doente. E Jesus estava noutra parte do país, mas mesmo assim encontraram forma de o avisar de que o seu amigo precisava de ajuda. Mas ele, para espanto dos discípulos, não deixou o seu “trabalho” e continuou na sua jornada.

Quando finalmente chegaram, Lázaro já havia morrido e já estava sepultado havia 4 dias. A multidão (e e também Madalena, irmã de Lázaro) estava descrente de Jesus e olhava-o com má cara. E aí está descrita uma vertente de Jesus tão humana, que se torna (no meu coração) memorável. Jesus chora.

Jesus chora porque o seu amigo estava morto e Jesus chora porque os seus amigos (na pessoa de Madalena) não acreditavam que Ele tudo faria por Lázaro. Então, Lázaro reemerge do sepulcro. Ainda com aquelas vendas (no que acredito ser uma espécie de embalsamento).

E, perante isto, o pedido que Jesus faz à multidão que ali estava e que julgava que Jesus é "Libertai-o e deixai-o seguir livre".

Depois de tudo aquilo, Jesus pede à multidão que liberte Lázaro e que o deixem seguir livre.
Este pedido tem tanto mais de inesperado como de encantador.

Às vezes, somos restritos nos nossos deambulares, na nossa liberdade de acção. E até se tenta controlar o que sentimos ou o que pensamos de forma natural. E nesses momentos, a maior parte das vezes, autorizamo-nos a seguir pelo caminho que a sociedade planeia para nós, como que com as ligaduras restritivas do Lázaro. E Jesus pede-nos que esqueçamos as nossas ligaduras. E também que libertemos os demais, que não os obriguemos a seguir com ligaduras.
Porque Jesus chega (inesperadamente) para conceder liberdade. Liberdade que aqui existe como consequência directa do renascer. Renascer inesperado.

Libertemo-nos e deixemo-nos seguir livres.

Tanto mais, quanto mais gostarmos de nós próprios. Tanto mais quanto mais gostarmos daqueles que estão ao nosso lado.

Porque as escolhas que fazemos em plena liberdade são as que se afiguram como mais sinceras. E como mais genuínas.

E, muitas das vezes, por serem inesperadas aos olhos dos demais (ou aos nossos próprios olhos), tornam-se eloquentemente encantadoras.

Libertemo-nos, e deixemo-nos seguir livres.


E, quando nos autorizarmos a isso, iremos à fonte dos nossos Dons, seremos alimentados, e nutriremos os nossos sonhos. Porque são os sonhos que nos movem com paixão. É a delícia de pegarmos na nossa vida e de a colocarmos em movimento para algo que nos engrandece (engrandecer de nós para nós). São os sonhos que nos fazem abraçar projectos que aos olhos dos outros são insignificantes, mas que nos iluminam a nossa vida!


Lembro-me aqui de alguém que é isso na sua vida. Alguém com quem estive uma dúzia de vezes e que em uma vida reflexo da ousadia, da coragem e da intrepidez que sente. E movem-no os sonhos, a vontade de se sentir realizado. E então consegue. É, no geral, uma pessoa feliz. E é raro encontrar isto.

[Talvez a vocês não pareça, porque se vos envio isto é porque são religiosos, e provavelmente sensíveis, logo, provavelmente rodeados de seres revestidos de luz e felizes. Mas sabemos e conhecemos pessoas profundamente tristes anos a fio.]

E este alguém gera felicidade para si com a sua vida, com a maneira como escolhe vivê-la, nas pequenas coisas e nas grandes coisas também. E, só por isto, mesmo que não se colocasse a si próprio ao serviço de muitos outros como o faz, torna-se uma memória de que é possível deixar o Espírito Santo renascer em nós, de que vale a pena desenvolvermos os nossos Dons. Virá o dia em que todos os Dons que nos são dados e que sentimos que temos, que manejamos e que nos fazem felizes, não fazem sentido senão a serem partilhados.

Mas, mesmo que não os partilhemos, sermos felizes na nossa vida, na nossa simplicidade, nos nossos sorrisos do dia-a-dia, na compreensão que podemos ter quando faz falta, vale a pena! Sermos felizes é, infelizmente, já fazermos a diferença.

Vivemos, às vezes, como se houvesse um destino marcado. Mas não há! A vontade de Deus é que cada um de nós procure, em cada situação, o que é melhor, o que é de mais amor e justiça, e que ponhamos mãos à obra para realizá-lo. Para isso, é preciso estar livre por dentro, sem se deixar levar por interesses egoístas ou paixões mesquinhas. Então, é possível estar atento ao que a vida nos pede e ser criativos.

Vasco P. Magalhães, sj

Deixarmos que a fonte do Espírito nos mova (sem sabermos porque nos apetece ou como nos apetece) pode ser já sinal de Deus na nossa vida. E mais bonito ainda, apenas isso pode ser sinal para muitos outros que cruzaremos. Não sabemos quando, nem onde, nem como. Jesus só nos pede que o sigamos, que amemos a nós próprios como amamos aos outros e que sejamos apaixonados (livres!).

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