Enquanto escrevia aquele último texto, ouvi barulhos esquisitos lá fora. Achei que fosse dos camiões do lixo que por aqui passam a esta hora.
Ouvi um homem a gritar. Isso já não achei normal.
Fui à janela. Estava uma carrinha em cima do vasto passeio da loja da frente. E um homem fora dela. O homem estava incrivelmente a ajustar, perante o mundo inteiro, aquele barrete preto que se mete para não se ver a cara. E tinha o que me parecia ser uma pistola na sua outra mão.
Fui buscar, serenamente, mas com o coração a 300 mil o telefone. 112.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
Não atenderam. Telefonei para o 112 e não me atenderam. Insisto.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
Desisti. Chega a minha irmã ao quarto. "Então? Já falaste com eles?" "Não, não atenderam" "Mas que tens que ligar! Imagina que ele deixou impressões digitais? Imagina que chega alguém e que quer entrar pela janela da loja e aí é que roubam coisas?"
Convenceu-me.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
"Emergência Boa noite"
Voz grave. Voz de caso. Como estava tudo bem comigo, até me assustei. Gente que ouve a noite inteira desgraças graves e que não sabe se melhoram ou não. Gente que conduz a minha entrevista, qual diagnóstico diferencial. Gente que sabe o que perguntar. Gente que desliga rapidamente o telefone assim que obteve resposta àquilo que considera importante.
Lá contei o que tinha visto (tentei não descrever o que tinha sentido, já sabia eu que as chamadas eram guardadas ad eternum) e adicionei "mas ele agora já não está ali. eu nem sei se teve tempo de entrar na loja. sabe, é que eu ja telefonei duas vezes e não me atenderam."
Já haviam telefonado. Mas descreveram mal o carro, pelo que eu ajustei a descrição. E disseram que era preto. Mas não era, era branco o senhor, o barrete dele é que era preto.
A moral da história é que moro num sítio de Lisboa civilizado. Onde os meus inúmeros vizinhos telefonam quando vêem um assalto. E onde há gente que devia usar óculos. (Piadinha cruzada. Era uma loja de lunetas.) E onde o 112 não atende.
Ouvi um homem a gritar. Isso já não achei normal.
Fui à janela. Estava uma carrinha em cima do vasto passeio da loja da frente. E um homem fora dela. O homem estava incrivelmente a ajustar, perante o mundo inteiro, aquele barrete preto que se mete para não se ver a cara. E tinha o que me parecia ser uma pistola na sua outra mão.
Fui buscar, serenamente, mas com o coração a 300 mil o telefone. 112.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
Não atenderam. Telefonei para o 112 e não me atenderam. Insisto.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
Desisti. Chega a minha irmã ao quarto. "Então? Já falaste com eles?" "Não, não atenderam" "Mas que tens que ligar! Imagina que ele deixou impressões digitais? Imagina que chega alguém e que quer entrar pela janela da loja e aí é que roubam coisas?"
Convenceu-me.
Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii. Piiiiiiiiiiiiii.
"Emergência Boa noite"
Voz grave. Voz de caso. Como estava tudo bem comigo, até me assustei. Gente que ouve a noite inteira desgraças graves e que não sabe se melhoram ou não. Gente que conduz a minha entrevista, qual diagnóstico diferencial. Gente que sabe o que perguntar. Gente que desliga rapidamente o telefone assim que obteve resposta àquilo que considera importante.
Lá contei o que tinha visto (tentei não descrever o que tinha sentido, já sabia eu que as chamadas eram guardadas ad eternum) e adicionei "mas ele agora já não está ali. eu nem sei se teve tempo de entrar na loja. sabe, é que eu ja telefonei duas vezes e não me atenderam."
Já haviam telefonado. Mas descreveram mal o carro, pelo que eu ajustei a descrição. E disseram que era preto. Mas não era, era branco o senhor, o barrete dele é que era preto.
A moral da história é que moro num sítio de Lisboa civilizado. Onde os meus inúmeros vizinhos telefonam quando vêem um assalto. E onde há gente que devia usar óculos. (Piadinha cruzada. Era uma loja de lunetas.) E onde o 112 não atende.
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