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Aprender a Medicina


Ando para te telefonar!

Esta minha semana foi a minha primeira semana de estágio numa enfermaria de Cirurgia. E são-me distribuídos os meus doentes, dos quais tenho que cuidar e sobre quem mais ninguém vai deitar olhos.
E é horrível. Porque não há ciência em mim que chegue. E porque não há tempo no tempo que chegue para eles. Tenho 4 doentes, que ainda não tiveram alta no pós-operatório por coisas graves (infecções resistentes, hepatites agudas de etiologia a esclarecer, ...). e põem-me a brincar aos médicos (médicos de Medicina Interna). Sou, ridiculamente, a médica da cirurgia.
A interna do 1ºano de Cirurgia da minha equipa foge da enfermaria para o bloco ou para a pequena cirurgia - diria que é coisa que ela não vai ter tempo de fazer na vida. E diz-me ela, enquanto eu estava a tentar convencer a prestar atenção à a minha doente tinha uma alcalose metabólica - pH7,5 - e um K+ de 5,1 -, "és demasiado médica para quereres ir para essa especialidade". Deu-me um piripaque. Nossa! Cirurgiã destas não vou ser. A não ser que me esforçasse.
Há maneira de eu te explicar que os ginecologistas com quem estou não auscultam sequer as senhoras com suspeita de pneumonia? Ou que ando há 3 dias a tentar convencer os cirurgiões meus professores que a senhora tem uma pneumonia?
Fico sinceramente aflita com esta medicina rasca. Somos 2alunas do 6ºano e uma iAC. Rainhas dos 10 doentes da nossa equipa.
E esta semana tive direito a um aluno, chamado Gonçalo. Que incómodo! Sempre a fazer perguntas e a questionar as minhas decisões clínicas! E respondi a tudo! E fui procurar com ele quando não sabia. E não me recordo de ter alterado o que eu ia fazer (o que é um bom sinal para os meus raciocínios clínicos).
E quando os meus professores me foram chatear por um assunto aleatório, eu tinha ja um pedido um Rx para a doente e tinha já feito uma gasimetria, auto-recriação e imitação de padrões com quem estive. E estas coisas não as aprendi em livros.

Passou uma semana de estágio. Senti na pele o que é ser médico. É o máximo. Mas é demais para mim. Esforço o tempo todo. Superar a ciência e a calma e a concentração que de mim conhecia. Amo. Ainda faltam seis semanas de cirurgia. 4 meses como aluna. E uma vida disto. Sobrevive-se?


és humana! vais cometer erros. vais magoar pessoas. vais por a vida de pessoas em risco e, se tiveres sorte, vais passar anos até que a primeira morra sem que seja tua culpa.

Temos uma profissão demasiado ingrata. Pedem-nos para tomar decisões sobre vidas em segundos, com noites mal ou não dormidas em cima e com pouca ou nenhuma informação para além daquela que sai do teu estetoscópio, dos teus olho, do teu cérebro e das tuas mãos.

E como se não bastasse és mal paga, desrespeitada, desautorizada e, mais uma vez, com sorte, semi-ignorada se não totalmente, pelos doentes. Mesmo quando explicas horas a fio o porquê da prescrição e das recomendações. Eles querem lá saber...

E por baixo de nós há uma mão que nos guarda e protege e faz com que tomemos a decisão certa na maioria das vezes... Acredito nisso..
Quantas vezes olho para trás e vejo situações borderline em que tudo podia ter corrido mal e que no final tudo correu bem por casualidade, ou não...

Medicina precária e com pouca ciência... mas apesar de tudo, com imensa preparação que nos leva a tomar decisões, por vezes por instinto, pensamos nós... mas que se baseia em alguma informação que ficou no nosso subconsciente numa das aulas de imunologia, de anatomia clínica ou de farmacologia...

E depois, como se não bastasse, corremos contra os outros... passo duas horas por dia a ler livros e artigos para ouvir: é assim que se faz há 20 anos, não há porque mudar... E vemos erros atrás de erros e pacientemente mudamos o rumo às coisas, da melhor maneira, sem arranjar conflitos...

Isto porque haverá o dia em que seremos nós a errar e nesse dia vamos querer que alguém esteja lá para mudar a tabela sem nos enxovalhar...

E apesar de todos estes momentos de duvida, de angústia, de desesperança... há algo que nos faz ir em frente... o desafio, o sofrimento... o sorriso... o chegar a casa extenuado, sem forças sequer para fazer o jantar mas no entanto... tão, mas tão cheios de um sentimento que nos invade e que nos faz sentir realizados...

Podemos fazer de Deus... Mas não passamos de humanos...
E todos os dias há algo que nos lembra dessa nossa condição.

E por vezes temos a perfeita sensação que por mais que façamos, não fazemos grande diferença no rumo das coisas... mas damos esperança... e por vezes... mesmo que raramente... acabamos com o sofrimento... e salvamos vidas!

Afinal de contas... temos a melhor profissão do mundo...

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