Sabermos viver agarrados aos planos.
Mas sermos livres de nós mesmos o suficiente para deles abrir mão.
Rumo ao maior plano, ainda em construção.
«Santo Inácio, no ímpeto da sua conversão e querendo fazer por Deus não menos de quanto fizeram tantos santos, decidiu peregrinar a Jerusalém e passar o resto da sua vida no mesmo local onde viveu Jesus. Claramente projectava o futuro à medida daquilo que conhecia. Embora pudesse prever algumas dificuldades como acidentes de viagem, salteadores ou a guerra com os turcos, provavelmente não podia prever que seria impedido pelo próprio guardião dos lugares santos de ali permanecer, sob pena de excomunhão. E aqui começa a revelar-se a diferença entre obstinação e liberdade em relação aos seus próprios planos. Inácio humildemente (embora possamos imaginar que com tristeza e confusão) volta a Espanha. O seu desejo era, mais do que uma satisfação pessoal, aproximar-se do seu Senhor e servi-lo. Por isso a impossibilidade que surgiu não foi uma derrota pessoal, antes levou-o a perceber que talvez não fosse vontade de Deus que ficasse em Jerusalém. Pôs-se a pensar no que faria e inclinava-se a estudar por mais algum tempo.
Anos mais tarde, com os primeiros companheiros com os quais fundaria a Companhia de Jesus, fizeram o voto de passar a sua vida em Jerusalém em proveito das almas. De novo surgiu uma impossibilidade, desta vez não vinda da própria Igreja, mas por falta de meios para fazer a viagem. Ficaram assim livres do voto, mas tinham já pensado num plano B, que era oferecerem-se ao Papa para que os empregasse no que julgasse ser de mais glória de Deus e proveito das almas. E assim fizeram. Do plano B nasceu a Companhia de Jesus.
Vivemos olhando para a frente, e é isso que nos faz crescer e avançar. A nós e ao mundo. Mas o futuro não nos é dado a conhecer, por isso projectamos no futuro aquilo (pouco) que conhecemos do presente e raramente acertamos, pois muito pouco depende de nós. Achamos que controlamos a vida, mas na verdade... No entanto, não podemos parar e viver o presente como se nada viesse depois, como se os nossos actos e decisões não tivessem qualquer consequência!
Paradoxalmente, para viver a vida a fundo, temos que nos entregar ao presente com todo o nosso empenho, a cada momento como se fosse o último, sem nos agarrarmos obstinadamente às nossas projecções quanto ao futuro, mas ao mesmo tempo temos que viver com os olhos postos no futuro. Temos que decidir para onde ir para não nos deixarmos viver andando à deriva, ao sabor dos ventos e dos apetites. É muito sábio o conselho que nos dá Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, para os momentos em que reina a indecisão: «atendendo e considerando como me acharei no dia do juízo, pensar como então quereria ter deliberado sobre o assunto presente».
Quando estamos sintonizados com Deus, os nossos planos acabam por não ser mais do que uma concretização do nosso desejo de o servir. No entanto, serão sempre planos feitos à medida das nossas possibilidades, marcados pela nossa pequenez e desconhecimento de como o mundo funciona. Às vezes podemos acertar, mas certamente muitas vezes os nossos planos não são os mais adequados e têm de ser alterados ou mesmo cancelados e substituídos. Embora possa parecer uma derrota, a necessidade de optar por um plano B não é uma infelicidade, é só uma possibilidade que damos a Deus, o Senhor do mundo e da história, de que se faça a sua vontade e não a nossa. Só com esta atitude é que Santo Inácio pode ter dito: «se o Papa desfizesse a Companhia de todo [...] penso que, se me recolhesse um quarto de hora em oração, ficaria tão alegre, até mais do que antes.» »
Frederico Lemos - essejota.net
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