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Fala-me mal de mim. Afugenta-me. E eu serei livre.

E eu sei que é por isso que quero que me fales mal de mim.
Eu sei que é para saber quem sou e o que sou para ti, na tua vida. Nada sei.
E tenho medo da tua reacção, do teu medo "E agora o que faço com ela?".


E nunca tornei nada concreto, nunca cheguei ao ponto de teres que responder. Nunca o fiz por respeito para contigo. No meu modo inato de agir, eras livre de explicar, de existir, ou não. Nada pedia, nada exigia, tudo podias.
E a minha pequenez, a minha fragilidade impediam-me de assumir, de admitir, de me fincar com o que sentia. Era, e sou, pequenina.
O meu fundo é o mesmo de sempre, mas com mais habilidade e com mais coragem do que antes. Quero crer que se nota alguma diferença de maturidade. Quero sonhar que chegarei à tua idade e ao teu tempo tão digna e tão corajosa como tu. Para lá me esforço a caminhar. Ainda que me falte perder medos, deixar de achar que o mundo possa desmoronar. Vou perdendo os medos à medida que as situações vão surgindo. Vou perdendo os medos. Não sentes isso quando olhas para mim? Que cresci? Tão real, com o mesmo fundo e com a mesma existência, mas maior?


Ainda assim, preciso da tua opinião. Preciso da aprovação.
Sei que não gostas que precisem de ti, mas é sinal de respeito e de confiar em ti. É sinal concreto que és importante e que a tua opinião faz diferença.
E eu preferia não ler nas entrelinhas se sou ou não importante na tua vida. Se faço ou não diferença. Se torno a tua vida um sítio menos sozinho e menos sombrio. Eu quero saber isso.
Ou quero saber o contrário. Quero saber que pensas mal de mim e que pensas muitos defeitos de mim. E que por isso não me queres por perto.
Preciso de marcar a realidade. Não consigo avançar no meu concreto. 
Fazes-me sofrer, ainda que sem quereres. Porque te quero e não to digo. Porque te quero e não quero saber se é recíproco. Porque te quero e não existo no mundo completa.


E luto com toda a minha vida e com toda a minha força pelo não. Luto para que isto desapareça. Mas voltas a existir. E tudo o que sinto e o que quero de ti volta a existir em mim, tão real e tão concreto como sempre foi. Sim, chama-me cobarde. Diz-me que tenho medo das consequências. Diz que prefiro ficar a queixar-me e sentir sozinha, sem ti, do que assumir e ouvir.
É isso que tenho preferido.
Até ao momento em que se sente que o pior que pode acontecer é não avançar, é não existir, é não ser eu completa. Eu completa é o eu que sente isto poder existir no mundo exterior. É o eu que sente de verdade passar a explicar-se e a existir com os outros.
Eu tenho agora coragem de admitir que te quero comigo, que quero a tua companhia, a tua vida, a tua intimidade comigo. Eu tenho a coragem de assumir quem eu sou, o que quero e estou disposta a existir com tudo isso. 


E o que ganho com isso? Assustar-te? Deixar-te sem saber o que fazer? Teres medo de mim e daquilo que te posso trazer? Sinto muita vez que tens medo de mim. Que não estás amplamente seguro daquilo que naturalmente faço. E isso assusta-me, como é óbvio. Quem sou eu para me ir impor a quem tem medo de mim e daquilo que eu represento? E é por isso que nada de concreto fiz. Porque sei que sou constrangedora. Respeitei-te mais a ti que às minhas necessidades de integridade moral. Preferi, em liberdade, durante todo este tempo, não te sujeitar à situação de teres que me colocar fora da tua vida, determinadamente. Preferi não te ver envergonhado por teres alguém que tão sincera e genuinamente te quer e a quem não podias dar resposta. Preferi ver-te livre a sorrir do que pendurado a ter que dar resposta incómoda.
Mas tens toda a razão, sou cobarde por ter medo de represálias, por ter medo que a vida mude quando assumo quem sou e o que sinto. E neste caso abano se te afastas por teres medo que eu me aproxime. Não o farei, nem terás que me colocar fora da tua vida por isso. Já o fizeste uma vez, entendi e cumpri desde então. Tudo pode continuar no presente como até então foi, nada precisa de mudar.


Tenho um fundo magnífico, eloquente, diferente a cada dia, que deixa curiosidade e vontade de conhecer. Ao mesmo tempo que sou constante e concreta e respeitadora, e então confiam. 
Mas todo esse fundo perde-se na minha imaturidade social. Nunca fui habituada a isso. Tive, na minha vida, poucas interacções sociais superficiais. Não sei conversas superficiais, não sei conversas fortuitas. Estou a aprender. Este novo sítio tem-me obrigado a isso. Tal como ter conversas de aproximação com homens. Não sei fazer isso. Não sei. Ponto final. Não sei estar apaixonada e ter que o dizer. Não sei aproximar-me quando quero. Não sei porque nunca tive que passar por isso. A minha vida passada foi toda tão linda e tão correspondida e tão linear. Posso dizer que nunca quis ninguém que não me quisesse também intensamente. Que nunca disse a ninguém que o queria sem ser correspondida logo e receber logo a bênção da sua presença, da sua companhia, da sua intimidade. 
O meu passado é tão conto de encantar que quando estou perante situações não-lineares em que a outra metade nunca manifestou interesse, ainda que me permitisse existir livre e eloquentemente pela sua vida, eu não sei o que fazer. Não sei porque nunca tive que existir assim. Sou imatura, sou tonta e não sou de confiança nessas situações. Tive sempre sorte (ou azar) de ser super e facilmente correspondida. Sou abençoada por ter conseguido sempre conquistar sem esforço as pessoas que escolho. E escolho-te. Há anos. De forma coerente, constante ao longo do tempo estive presente. Sempre fui segura do que sentia e daquilo que representavas em mim. Mas nunca o vivi plenamente. Nunca o vivi abertamente. Nunca o assumi. 


Fiquei a perder ou a ganhar? Tive-te presente, à distância, na ideia, estes momentos todos. Não ter o 'não' é como não ter nunca a presença, a companhia apagada da minha vida. Tive-te comigo. Mais ou menos. E não precisava, para isso, de qualquer consentimento teu. 


E aqui, como faço? Juro que não sei.
Sei o que sinto. Sei o que a minha metade da existência poderia eventualmente querer. E preciso de o dizer concretamente. Não o dizer é o que tenho feito. Trouxe-me a um sítio cheio de medos e cheio de vazios. Onde não se avança e de onde não se quer recuar. Eu escrevia-te "Faz-me ver que, por muito difícil que seja a habituação à mudança, não há pior do que permanecer onde nada nos chama. Isso, em nome da estabilidade, é aceitar já "que a morte nos separe" de nós mesmos, pousados nas mãos repletas de vazio. Com o que sinto, prefiro morrer na novidade cheia de graça do que perpetuar-me neste afogamento."


Lembras-te desse texto? Beleza pura. Sinceridade cortante. Ainda o leio quando me faltam as forças. Ainda o saboreio quando quero ter a certeza de mim. Ainda o lês? Representou alguma coisa?
Escrevi-te muito. Disse-te muito. Muita vez. Espero que, no mínimo, tenha sido um forte e reiterado abraço na tua vida. Espero que tenha contribuído para que te sintas bom e grande, ainda que não te conheça e às vezes te descreva como se te conhecesse. Perdoa-me. Faz-me frente. Corrige-me. Ainda que não me queiras, ousa comigo tu também!


Escrevo-te enquanto todas dormem. Pode ser que assim não se apercebam do que faço, do que pretendo e não me vejam surgir, de mansinho, com sorriso e presença discreta, de rompante pela tua porta adentro.
Conquistei-te? Deixei-te preso? A querer saber mais? Que bom. 
É o que quero e nunca disse. Se tinha medo, hoje já não tenho. Se achava te ia perder por ser clara, hoje já não acho.
Se posso dizer tudo carne com carne? Posso, mas não se fez essa oportunidade e assim podes reagir em sinceridade, em silêncio.


Que a próxima mulher a quem sentes o intenso perfume seja eu. Vou usar perfume todos os dias até saber de ti.


Quanto tempo demoras desta vez até me responder?

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